terça-feira, 31 de agosto de 2010

Redescobrias os objectos

Redescobrias os objectos
pelos traços da sua ausência
e então principiavas

a arqueologia do quotidiano
aonde tudo
―pelo seu discreto desenho

parecia indicar que ele estivera
por ali:
o barbeador sujo sobre o mármore

a t-shirt suada esquecida
no sofá

e um bilhete quase trivial
avisando-te que o gás tinha acabado
e e que te amava

agora já sabes como a memória
converte os dias de sol
numa canção triste.

Oscar Mourave. Suburbia. Duas estações. Finisterra



Redescubrías los objetos
por las marcas de su ausencia
y entonces empezabas

la arqueología de lo cotidiano
donde todo
―por su discreto dibujo

parecía indicar que él había estado
por allí:
la máquina de afeitar sucia sobre el mármol

la camiseta sudada olvidada
en el sofá

y una nota casi trivial
avisándote de que se había acabado el gas
y de que te amaba

ahora ya sabes cómo convierte
la memoria los días de sol
en una canción triste.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Em declaro vençut

Em declaro vençut. Els anys que em resten
els malviuré em somort. Cada matí
esfullaré una rosa ―la mateixa―
i amb tinta evanescent escriuré un vers
decadent i enyorós a cada pètal.
Us llego la meva ombra en testament:
és el que tinc de més perdurable i sòlid,
i els quatre pams de món sense neguit
que invento cada dia amb la mirada.
Quan em mori, caveu un clot profund
i enterreu-m’hi dempeus, cara a migdia,
que el sol, quand surt, m’encengui el fons dels ulls.
Així la gent que em vegi exclamarà:
―Mireu, un mort amb la mirada viva.

Miquel Marti i Pol, La pell del violí


Declaro-me vencido

Declaro-me vencido. Os anos que me restam
mal vivê-los-ei amortecido. Cada manhã
esfolharei uma rosa ―a mesma―
e com tinta evanescente escreverei um verso
decadente e saudoso em cada pétala.
A vocês lego a minha sombra em testamento:
é o mais perdurável e sólido que tenho,
e os quatro palmos de mundo sem aflição
que invento com o olhar cada dia.
Quando eu morrer, cavem um poço
e soterrem-me em pé, de frente ao meio-dia,
para me acender o sol, quando saír, o fundo dos olhos.
Assim as pessoas que me virem exclamarão:
―Eis um morto com o olhar vivo.

domingo, 29 de agosto de 2010

Outra vez o fim

Hoje prometo que não vos venho falar de amor.
Não consigo falar de um tempo que desliza
ao contrário. Tenho dificuldade em olhar
para trás. Tenho dificuldade em dizer
o quanto fugi frio & brusco de ti.

Poder-se-ia dizer que tivemos quase tudo:
- um futuro, uma estrada, a alegria das coisas
simples. Mas havia já um novelo deslaçado a dois
tempos, nas paredes arrítmicas do coração.

Depois calamos a revolta no vazio das palavras,
perdemos o balanço, morremos na rotina. Fomos
até ao cabo do medo, atravessamos a espessura
de dez invernos e chegamos até ao fim de nós.

Não conseguimos atravessar a densidade
no cimento que fomos construindo, junto
à estrutura assimétrica do "não querer";
E fomos indo no adeus, até ao fim do mundo,
______________________ [até ao fim do amor.

Miguel Pires Cabral. Barbitúrico da alma


Otra vez el fin

Hoy prometo que no os voy a hablar de amor.
Soy incapaz de hablar de un tiempo que se desliza
al revés. Me resulta difícil mirar
atrás. Me resulta difícil decir
lo frío & brusco que huí de ti.

Se podría decir que lo tuvimos casi todo:
- un futuro, un camino, la alegría de las cosas
simples. Pero había ya un ovillo desenlazado a dos
tiempos, en las paredes arrítmicas del corazón.

Después callamos la indignación en el vacío de las palabras,
perdimos el equilibrio, morimos en la rutina. Fuimos
hasta el cabo del miedo, atravesamos el espesor
de diez inviernos y llegamos al fin de nosotros.

No logramos atravesar la densidad
en el cemento que fuimos construyendo, junto
a la estructura asimétrica del "no querer";
Y nos dejamos ir en el adiós, hasta el fin del mundo,
______________________ [hasta el fin del amor.

sábado, 28 de agosto de 2010

Dissertação sobre a ausência…

A ausência cansa e dói
e não há balanças que a pesem
nem cabe nas distâncias que há no mundo
e por isso desisti de contar as estrelas
e adormecer as noites
vou partir por um caminho que desconheço
e que não tem fim
sem mapa, sem bússola
apenas com a minha geografia dos lugares,
para que ninguém me encontre mais
e descansarei nos abrigos de todas as luas
como os lobos
encostado aos muros
e aí ficarei à espera dos cães…

Alexandre de Castro. Alpendre da Lua


Disertación sobre la ausencia…

La ausencia cansa y duele
y no hay balanzas que la pesen
ni cabe en las distancias que hay en el mundo
y por eso he desistido de contar las estrellas
y adormecer las noches
voy a partir por un camino que desconozco
y que no tiene fin
sin mapa, sin brújula
solamente con mi geografía de los lugares,
para que nadie me encuentre jamás
y descansaré en los abrigos de todas las lunas
como los lobos
arrimado a los muros
y ahí me quedaré esperando a los perros…

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Fin de año

Porque sé que a este amor le pertenecen
los días que me faltan por vivir,
la realidad con su mirada inhóspita,
el deseo que nace de los sueños.

Porque lo sé, porque ya casi todo
pertenece a este amor,
como las realidades que viví,
como los sueños que me quedan.

Luís García Montero. Poesía (1980-2005)

Fim de ano

Porque sei que a este amor pertencem
os dias que me restam para viver,
a realidade com o seu olhar inóspito,
o desejo que nasce dos sonhos.

Porque o sei, porque já quase tudo
pertence a este amor,
como as realidades que vivi,
como os sonhos que me sobraram.