quarta-feira, 29 de setembro de 2010

El palmo de tierra

Hace veinte años
que no crezco más
que me detuve un mediodía de sábado
con la cabeza abandonada en las nubes.
Desde ese sitio apenas puedo regresar
unir con la conciencia el corazón
hasta el dedo mayor de mi pie
metido en su zapato
golpeando el palmo de tierra
que no acaba de morir.

Holver Martínez Borelli. Los lugares comunes


O palmo de terra

Há vinte anos
que já não cresço
que me detive num meio-dia de sábado
de cabeça abandonada nas nuvens.
Desde esse sítio apenas consigo regressar
unir com a consciência o coração
até o dedo grande do meu pé
metido no seu sapato
a bater no palmo de terra
que nunca mais morre.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Paz

Aqui foi a casa:
Alva a toalha e o pão,
O berço além.

Breve a canção:
Bater de asa
O sorriso da mãe.

Veloz a hora:
Agora,
Só o coaxar nocturno e certo
Das rãs,
Enche o campo deserto.

Tomaz Kim. Flora & Fauna (1958)



Paz

Aquí fue la casa:
Albo el mantel y el pan,
La cuna allá.

Breve la canción:
Aletear
La sonrisa de mi madre.

Veloz la hora:
Ahora,
Sólo el croar nocturno y certero
De las ranas,
Llena el campo desierto.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Receita para fazer um herói

Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.

Serve-se morto.

Reinaldo Ferreira. Um Voo Cego a Nada (1960)


Receta para hacer un héroe

Tómese un hombre,
Hecho de nada, como nosotros,
Y en tamaño natural.
Empápese su carne,
Lentamente,
De una certeza aguda, irracional,
Intensa como el odio o como el hambre.
Después, cerca del fin,
Agítese un pendón
Y tóquese un clarín.

Se sirve muerto.

sábado, 25 de setembro de 2010

Adeus

(Para ouvir aqui.)
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade. Os Amantes sem Dinheiro (1950)


Adiós

Ya hemos gastado las palabras por la calle, mi amor,
y lo que nos ha quedado no llega
para alejar el frío de cuatro paredes.
Lo hemos gastado todo menos el silencio.
Hemos gastado los ojos con la sal de las lágrimas,
hemos gastado las manos a fuerza de apretarlas,
hemos gastado el reloj y las piedras de las esquinas
en esperas inútiles.

Meto las manos en los bolsillos
y no encuentro nada.
Antiguamente teníamos tanto para darnos uno a otro;
era como si todas las cosas fuesen mías:
cuanto más te daba más tenía para darte.
A veces tú decías: tus ojos son peces verdes.
Y yo me lo creía.
Me lo creía,
porque a tu lado
todas las cosas eran posibles.

Pero eso era en el tiempo de los secretos,
en el tiempo en que tu cuerpo era un acuario,
en el tiempo en que mis ojos
eran peces verdes.
Hoy son sólo mis ojos.
Es poco, pero es verdad,
unos ojos como todos los otros.

Ya hemos gastado las palabras.
Cuando ahora digo: mi amor,
ya no pasa absolutamente nada.
Y no obstante, antes de haber gastado las palabras,
tengo la certeza
de que todas las cosas se estremecían
sólo de murmurar tu nombre
en el silencio de mi corazón.

No tenemos ya nada para dar.
Dentro de ti
no hay nada que me pida agua.
El pasado es inútil como un trapo.
Y ya te lo he dicho: las palabras están gastadas.

Adiós.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

enquanto falavas de um mar

enquanto falavas de um mar
derramei sobre o peito os escombros da casa
reconheci-te
nos alicerces devorados pelas raízes das palmeiras
na sombra da ave deslizando junto à parede
no foco de luz rompendo o tijolo onde estivera a chaminé
vivemos aqui
com o ruído dum cano ressumando água
até que o frio nos fez abandonar o lugar e o amor

não sei para onde foste morrer
eu continuo aqui... escrevo
alheio ao ódio e às variações do gosto e da simpatia
continuo a construir o relâmpago das palavras
que te farão regressar... ao anoitecer
há uma sensação de aves do outro lado das portas
os corpos caídos
a vida toda destinada à demolição

tento perder a memória
única tarefa que tem a ver com a eternidade
de resto... creio que nunca ali estivemos
e nada disto provavelmente se passou aqui

Al Berto. "O Esquecimento em Yucatán" (1982/83). O medo


mientras hablabas de un mar
derramé sobre el pecho los escombros de la casa
te reconocí
en los cimientos devorados por las raíces de las palmeras
en la sombra del ave que se deslizaba junto a la pared
en el foco de luz que rompía el ladrillo donde había estado la chimenea
vivimos aquí
con el ruido de una cañería que rezumaba agua
hasta que el frío nos hizo abandonar el lugar y el amor

no sé adónde te has ido a morir
yo continúo aquí... escribo
ajeno al odio y las variaciones del gusto y de la simpatía
continúo construyendo el relámpago de las palabras
que te harán regresar... al anochecer
hay una sensación de aves al otro lado de las puertas
los cuerpos caídos
toda la vida destinada a la demolición

intento perder la memoria
única tarea que tiene que ver con la eternidad
por lo demás... creo que allí nunca hemos estado
y nada de esto probablemente haya pasado aquí

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Último poema

He perdido mi imagen
en las solapadas tardes del otoño,
en los virginales amaneceres
de las primaveras
y me queda tan solo
el silencio de mi rostro
perdido en los inviernos.
Como en el silencio
las imágenes quedan para siempre
en el lugar donde mueren las palabras.

José Antonio Labordeta. Zaragózame


Último poema

Perdi a minha imagem
nas assolapadas tardes do outono,
nos virginais amanheceres
das primaveras
e sobra-me apenas
o silêncio do meu rosto
perdido nos invernos.
Como no silêncio
as imagens ficam para sempre
no lugar onde morrem as palavras.

(Agradeço a colaboração ao Alexandre de Castro.)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Os deuses da pátria a cavalgar nos sonhos

Se eu tivesse segura a eternidade [como tenho as contas diárias
para pagar] renunciaria aos livros que ainda tenho para ler.
Nem poria os óculos que me tonteiam a realidade. Nem
ouviria o Peter Grimes que agora oiço -que me interessaria
o bramir da música contra os rochedos da poesia?
Se eu tivesse segura a eternidade [como a geada que esta manhã
me gelou os olhos] deixava-me dormir o dia inteiro
com os deuses da pátria a cavalgar nos sonhos. Talvez
inventasse um planalto qualquer, com uma pedra em forma
de destino e sentado esperasse os animais de Zaratustra
no seu aparecer alto e circular

Nuno Higino. O animal eólico do corpo


Los dioses de la patria cabalgando en los sueños

Si tuviera asegurada la eternidad [como tengo las cuentas diarias
que pagar] renunciaría a los libros que aún me quedan por leer.
No me pondría las gafas que me perturban la realidad. Ni
oiría al Peter Grimes que ahora oigo ―¿qué me iba a interesar
el bramar de la música contra los peñascos de la poesía?
Si tuviera asegurada la eternidad [como la helada que esta mañana
me ha helado los ojos] me quedaría durmiendo el día entero
con los dioses de la patria cabalgando en los sueños. Tal vez
inventase una altiplanicie cualquiera, con una roca en forma
de destino y sentado esperase a los animales de Zaratustra
en su aparecer alto y circular

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

risos e provocações

não sei em qual das duas faces do teu olhar serei capaz de me sentar. prometo-te escolher em breve. antes que envelhecer seja uma tragédia. daquelas que nunca quisemos controlar.

os jogos dos nossos olhares já não se misturam nos espelhos por onde desenhamos os desejos que projetaram a nossa noite.

os sentimentos despertados pela tua voz tornaram os olhares escuros; labirinticamente escuros e sem horizonte.

Casimiro Silva. Um certo olhar



risas y provocaciones

no sé en cuál de las dos caras de tu mirada seré capaz de sentarme. te prometo que escojo en breve. antes de que envejecer sea una tragedia. de aquellas que nunca hemos querido controlar.

los juegos de nuestras miradas ya no se mezclan en los espejos por donde dibujamos los deseos que proyectaron nuestra noche.

los sentimientos despertados por tu voz han vuelto las miradas oscuras; laberínticamente oscuras y sin horizonte.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Agradecemos

Agradecemos

em júbilo pela oportunidade que nos deram,
estamos reconhecidos aos donos da vida.
e em romaria lhes beijaremos os anéis
nos altares onde estiverem.
nós, os que adoramos viver,
sentimo-nos na obrigação de agradecer.

aos patrocinadores, colaboradores,
a todos quantos nos emprestaram o riso e o ranho,
aos que nos entusiasmaram encorajaram enrabaram e
aos que ainda estão para vir

agradecemos,
a colaboração
ao haxixe de marrocos
à febre de malta
ao vinho da casa
à heroína

que casa com o cowboy
lá para o fim do filme

agradecemos
ao fim do filme
por ter acabado
às sombras da tarde
por fazerem sombra à tarde
aos caminhos d'aldeia
por cheirarem a merda de vaca
ao senhor padre por ser virgem
nem ele sabe a importância que isso tem
nós também não

agradecemos
ao white horse
royal label
aos pudins flan
os maravilhosos momentos proporcionados

à nossa namorada
as incontáveis fodas
e as que demos sem contar

à mulher-a-dias
pela religiosidade com que nos lavou as cuecas
pela afeição com que nos viu crescer
pela idiotice de nunca querer ter sido mais nada

agradecemos
ao presidente da câmara
ter perdido as autárquicas
aos partidos no poder
e aos que ainda nos hão-de vir foder
às sogras tios e primos
a paciência de serem há tantos anos da família

agradecemos
ao sol da praia aos pardais ao ar lavado
e a todos os outros heróis mortos em combate
e imortalizados amortalhados em grandiosas estátuas
muros de betão

agradecemos
aos morcões e aos estúpidos
trissómicos e outros produtos das aberrações cromossómicas
a beleza com que são horríveis
é aí que vemos a infelicidade de que escapámos
é aí que temos a noção do tamanho bonito de existirmos assim

agradecemos
à dor aos sofrimentos inúmeros com que bordamos os nossos dias
porque nosso será o reino dos céus
aos ladrões e às putas
aos corcundas aos paralíticos
pela sensação de imprevisto quando caminhamos na rua
por exibirem conceitos tão próprios de vida

e juramos
passar a cumprimentar toda a gente
estar infinitamente gratos
infinitamente gatos
piolhos porcos morcegos
infinitamente coisos despidos ao frio
vestidos ao sol
saias casacos camisas gabardines de vénus
tanta roupa tanta sobre chãos
corpos galácticos

juramos
estar infinitamente gratos
a todos os casais felizes
uniões duradouras bodas de prata
por demonstrarem o conceito da felicidade emparedada
o valor da paciência
o infinito do esforço

agradecemos
à arte à ciência à história à sociologia
à política à religião
darem emprego a tanta gente

agradecemos
à tecnologia aos motores
pelo mesmo motivo
às fábricas aos computadores
idem
e a tudo quanto faça barulho cheire mal
foda a vegetação os rios os sóis a aragem
porque inevitavelmente somos a favor de uma poluição avançada,
não dessa como nos países de terceiro mundo que é feita
de gente magrinha
feia de ver.

Defendemos uma verdadeira poluição
pesada d'acordo com os padrões europeus

agradecemos
à tropa,
verdadeira escola d'homens
e à escola
tropa de meninos

agradecemos
a cristo marx reich
pela inutilidade prática das suas demonstrações
e agradecemos a todos quantos
fizerem demonstrações cheias de inutilidade prática
terem tido tanto êxito

não nos esqueceremos igualmente dos nossos teóricos
já lhes basta a infelicidade de serem teóricos
de se esquecerem de comer
tudo a bem dos teoremas teóricos
explanações metafísicas
conceitos epistemológicos

não podemos claro deixar de
sentir ternura pelos nossos teóricos

agradecemos
às entidades divinas
a força que nos dão
a garra o querer e o tesão

e agora não agradecemos a mais ninguém
porque vamos comer um bom bife
talvez devêssemos agradecer
à defunta vaca

porque sempre em tudo o que façamos
sem dúvida contraímos
obrigação de comer um bom bife
e foder uma garrafa de verde
o que é um acto poético
de incomensurável estética.

João Habitualmente. Antologia poética - Carnaval poético 


Agradecemos

Agradecemos

en júbilo la oportunidad que nos han dado,
estamos reconocidos a los dueños de la vida.
y en romería les besaremos los anillos
en los altares en que estén.
nosotros, los que adoramos vivir,
nos sentimos en la obligación de agradecer.

a los patrocinadores, colaboradores,
a todos cuantos nos han prestado la risa y los mocos,
a los que nos han entusiasmado animado dado por culo y
a los que aún quedan por venir

agradecemos,
la colaboración
al hachís de marruecos
a la fiebre de malta
al vino de casa
a la heroína

que casa con el cowboy
hacia el final de la peli

agradecemos
al fin de la peli
que haya acabado
a las sombras de la tarde
que hagan sombra a la tarde
a los caminos de aldea
que huelan a mierda de vaca
al señor cura que sea virgen
ni él sabe la importancia que eso tiene
nosotros tampoco

agradecemos
al white horse
royal label
a los flanes
a los maravillosos momentos proporcionados

a nuestra novia
los incontables polvos
y los que echamos sin contarlos

a la asistenta
la religiosidad com que nos ha lavado los calzoncillos
el afecto con que nos vio crecer
la idiotez de no haber querido ser nunca otra cosa

agradecemos
al alcalde
que haya perdido las municipales
a los partidos en el poder
y a los que aún nos vendrán a joder
a las suegras tíos y primos
la paciencia de ser hace tantos años de la familia

agradecemos
al sol de la playa a los gorriones al aire puro
y a todos los otros héroes muertos en combate
e inmortalizados amortajados en grandiosas estatuas
muros de hormigón

agradecemos
a los pánfilos y a los estúpidos
trisómicos y otros productos de las aberraciones cromosómicas
la belleza con la que son horribles
pues ahí vemos la infelicidad de la que nos hemos librado
pues ahí tenemos la noción de lo bonitísimo que es que existamos así

agradecemos
al dolor a los sufrimientos innumerables con que bordamos nuestros días
porque nuestro será el reino de los cielos
a los ladrones y a las putas
a los chepudos a los paralíticos
la sensación de imprevisto cuando caminamos por la calle
porque exhiben conceptos tan propios de vida

y juramos
empezar a saludar a todo el mundo
estar infinitamente gratos
infinitamente gatos
piojos cerdos murciélagos
infinitamente trastos desnudos al frío
vestidos al sol
faldas chaquetas camisas gabardinas de venus
tanta ropa tanta sobre suelos
cuerpos galácticos

juramos
estar infinitamente gratos
a todas las parejas felices
uniones duraderas bodas de plata
porque demuestran el concepto de la felicidad emparedada
el valor de la paciencia
lo infinito del esfuerzo

agradecemos
al arte a la ciencia a la historia a la sociología
a la política a la religión
que den empleo a tanta gente

agradecemos
a la tecnología a los motores
por el mismo motivo
a las fábricas a los ordenadores
ídem
y a todo cuanto haga ruido huela mal
joda la vegetación los ríos los soles la brisa
porque inevitablemente estamos a favor de una contaminación avanzada,
no de esas como las de los países del tercer mundo que están hechas
de gente delgaducha
fea a la vista.

Defendemos una verdadera contaminación
pesada de acuerdo con los estándares europeos

agradecemos
a la mili,
verdadera escuela de hombres
y a la escuela
mili de niños

agradecemos
a cristo marx reich
la inutilidad prática de sus demostraciones
y agradecemos a todos cuantos
hagan demostraciones llenas de inutilidad prática
que hayan tenido tanto éxito

no nos olvidaremos así mismo de nuestros teóricos
ya les basta la infelicidad de ser teóricos
de olvidarse de comer
todo por el bien de los teoremas teóricos
explicaciones metafísicas
conceptos epistemológicos

no podemos claro dejar de
sentir ternura por nuestros teóricos

agradecemos
a las entidades divinas
la fuerza que nos dan
la garra el querer y la potencia sexual

y ahora no agradecemos a nadie más
porque nos vamos comer un buen filete
tal vez deberíamos agradecer
a la difunta vaca

porque siempre en todo lo que hagamos
sin duda contraemos
la obligación de comer un buen filete
y despachar una botella de vino joven
lo que es un acto poético
de incomensurable estética.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ahora ya sé

Ahora ya sé que ambos tuvimos una infancia común o compartida, porque hemos muerto juntos. Y me mueve el deseo de ir hasta el lugar en donde tú estás para depositar junto a las tuyas, como flores tardías, mis cenizas.

José Ángel Valente. Paisaje con pájaros amarillos


Agora já eu sei

Agora já eu sei que ambos tivemos uma infância comum ou compartilhada, porque morremos juntos. E move-me o desejo de ir até ao lugar onde tu estás para depositar junto das tuas, como flores seródias, as minhas cinzas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

no grande deserto do amor

nómadas do
grande deserto do amor

perseguimos o
trilho da grande neblina

a última, a
sumptuosamente alva!


montados na grave palavra
do vento

(essa fidelíssima fera
que nos aguça o sul)

escrevemos no corpo
a balada serena

o rasto mudo do
sangue, do sol morto

dançado golpe a
golpe

por entre os
punhais da saudade



en el gran desierto del amor

nómadas del
gran desierto del amor

perseguimos el
sendero de la gran neblina

la última, la
suntuosamente alba!


montados en la grave palabra
del viento

(esa fidelísima fiera
que nos aguza el sur)

escribimos en el cuerpo
la balada serena

el rastro mudo de
la sangre, del sol muerto

bailado golpe a
golpe

por entre los
puñales de la añoranza

domingo, 12 de setembro de 2010

Às dores

Como se o cansaço pudesse ser proporcional à alegria de viver.
Às dores, desenhei-lhes asas
e deixei-as voar para longe de mim.
Dizem que são escadas de crescimento.
Não gosto delas por causa disso.
Foram-se. Não deixam saudades. E um dia,
o derradeiro vestígio delas será muito desatentamente
o tal crescimento.
A elas digo: tenho outras coisas em que pensar,
outras coisas para sentir.

Pedro Nogueira. Margens confluentes



Al dolor

Como si el cansancio pudiese ser proporcional a la alegría de vivir.
Al dolor le he dibujado alas
y lo he dejado volar lejos de mí.
Dicen que son peldaños de crecimiento.
No me gustan por eso.
Se ha ido. No ha provocado nostalgia. Y un día,
su postrer vestigio será muy desatentamente
ese crecimiento.
A él le digo: tengo otras cosas en qué pensar,
otras cosas que sentir.

sábado, 11 de setembro de 2010

Sozinho em casa, com a tarde a anoitecer
entram-me na ensonada, enfermiça audição
os desvairados sons da cidade ―
sirenes diversas em tumultos distantes.

Sirenes diversas
confusas
vagas, no rodopio das suas aflições indefinidas,
a percorrer as distâncias, as chuvosas curvas abertas
das cinturas internas.

As curvas abertas, distantes,
da cidade que anoitece.

Daniel Maia-Pinto Rodrigues. A Casa da Meia Distância. 
Sair da casa utópica para ir morrer à realidade (outras mulheres como personagens)



Solo

Completamente solo en casa, con la tarde que anochece
me entran en la somnolencia, enfermiza audición
los desvariados sonidos de la ciudad ―
sirenas diversas en tumultos distantes.

Sirenas diversas
confusas
vagas, en el remolino de sus angustias indefinidas,
que recorren las distancias, las lluviosas curvas abiertas
de las circunvalaciones internas.

Las curvas abiertas, distantes,
de la ciudad que anochece.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Abri a porta dos fundos do fundo do mar ou bea no fundo do mar

Abri a porta dos fundos no fundo do mar
―e vi peixes encarnados,
encarnados como os meus olhos no azul dos teus do fundo do mar
onde foi a clarividência dos meus olhos encarnados
nas íris acastanhadas dos peixes
que me circundam a cintura
e me nadam à volta dos tornozelos
e eu nado o mais rápido que posso
―sempre nadei rápido, agora mais
e mais não chega se tanto mais é preciso
p’ra fugir dos peixes da minha memória.

*

Acordo encharcado em suores nocturnos,
onde estão os peixes encarnados
limito-me a entender que foi apenas uma imagem
―alegorias que me trespassam o imaginário
olho-me ao espelho e vejo o vermelho,
vermelho claro, encarnado nos meus olhos
e vejo o fundo azul do fundo do mar
nos teus olhos que mareiam a água dos meus
―e rio-me só, enrolado nos tornozelos
contra o azulejo frio e branco dos dias,
seria tão melhor não ter cromatismos,
neste fundo de vida do fundo do rio.
Azul Escuro



Abrí la puerta de los fondos del fondo del mar o bea en el fondo do mar

Abrí la puerta de los fondos en el fondo del mar
―y vi peces encarnados,
encarnados como mis ojos en el azul de los tuyos del fondo del mar
adónde fue la clarividencia de mis ojos encarnados
en los iris acastañados de los peces
que circundan mi cintura
y nadan alrededor de mis tobillos
y yo nado lo más rápido que puedo
―sempre he nadado rápido, ahora más
pero no llega si tanto más es necesario
para huir de los peces de mi memoria.

*

Me despierto empapado en sudores nocturnos,
dónde están los peces encarnados
me limito a entender que ha sido sólo una imagen
―alegorías que me traspasan el imaginario
me miro al espejo y veo el rojo,
rojo claro, encarnado en mis ojos
y veo el fondo azul del fondo del mar
en tus ojos que marean el agua de los míos
―y me río solo, envuelto en los tobillos
contra el azulejo frío y blanco de los días,
sería mucho mejor no tener cromatismos,
en este fondo de vida del fondo del río.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Despir outra pele

O meu casaco de imposições biológicas está gasto
nos sítios onde o corpo oferece resistência ao tempo
e há um maior número de glândulas sudoríferas.
Chego a casa, dispo o casaco, e permaneço
com o casaco vestido.

A noite é uma ponte em ruínas.
A lua, um holofote de ideias fixas.
Ao longe vêem-se os cabos de sustentação
da inércia.
É inútil eleger alguma hora melhor
que nos proteja.
A minha vida é permanecer
auscultado por essa fantasmagoria.
Com ou sem casaco,
especializei-me em permanecer.

Permanecer com as metástases do meu casaco,
como as metástases do meu casaco
permanecem em mim, mesmo quando o dispo,
contemplando uma ponte em ruínas
e exercendo aí a minha permanência
o melhor que posso e sei,
24 horas por dia.

Há sempre um casaco a cobrir as costas
demasiadamente expostas da permanência.
Pêlos, ainda que pálidos e breves,
na pele postergada dos mamíferos.
E o invisível gesto de alguém que se apressa
lentamente a aconchegar-te ao primitivo,
com as mãos sujas de desdém
e a tecnologia do contacto indestrutível.
André Domingues. Do amor mau



Desvestir otra piel

Mi chaqueta de imposiciones biológicas está gastada
por los sitios en que el cuerpo ofrece resistencia al tiempo
y hay un mayor número de glándulas sudoríparas.
Llego a casa, me quito la chaqueta, y permanezco
con la chaqueta puesta.

La noche es un puente en ruinas.
La luna, un reflector de ideas fijas.
A lo lejos se ven los cabos de sostén
de la inercia.
Es inútil elegir alguna hora mejor
que nos proteja.
Mi vida es permanecer
auscultado por esa fantasmagoría.
Con o sin chaqueta,
me he especializado en permanecer.

Permanecer con las metástasis de mi chaqueta,
como las metástasis de mi chaqueta
permanecem en mí, incluso cuando me la quito,
contemplando un puente en ruinas
y ejerciendo ahí mi permanencia
lo mejor que puedo y sé,
24 horas al día.

Hay siempre una chaqueta que cubre la espalda
en exceso expuesta de la permanencia.
Vello, aunque pálido y breve,
en la piel postergada de los mamíferos.
Y el invisible gesto de alguien que se apresura
lentamente a arrimarte a lo primitivo,
con las manos sucias de desdén
y la tecnología del contacto indestructible.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

23.23

De pé, ofegante, apareci à ponta do passadiço, perpendicular à praia.
Entranhei-me, paulatinamente, no areal até às espumas e às estrelas espremidas,
sem luar à vista.

Em flash, evoquei como em criança (e ainda adolescente),
durante a viagem da manhã de autocarro para a escola,
me apetecia abraçar toda a paisagem que os olhos conseguissem alcançar
e tinha vergonha que me lessem os sentimentos naquele mirar aéreo e excessivo.

Lá, no passadiço, não foi a minha pequenez,
face à (in)finidade daquele oceano e firmamento,
que me resgatou
: foram as respirações completas [simultâneas] com tudo o que ali respirava.
Imissa e simbiótica respirava.

Reergui-me
―Órgão da Paz―
perplexa, diáfana, incomensurável,
muito além das traves de madeira que pareciam suster-me os pés.

E devo ter sido feliz, porque não tenho memória de SER tão inteiramente livre,
livre até de mim,
sobretudo quando, subitamente, compreendi que aquele
Silêncio
de brisa em brandas ondas nocturnas e aromas a flora de dunas primaveris
era, afinal, tão importante e pleno de budeidade
como o trash-metal, a bombar toda a tarde, do meu vizinho do 1º andar.

Suzana Guimaraens. A alma em coisas



23.23

De pie, jadeante, aparecí en la punta de la pasarela, perpendicular a la playa.
Me adentré, paulatinamente, en el arenal hasta las espumas y las estrellas exprimidas,
sin luz de luna a la vista.

En flash, evoqué cómo de niña (e incluso de adolescente),
durante el viaje de mañana en autocarro a la escuela,
me apetecía abrazar todo el paisaje que los ojos lograsen alcanzar
y me daba vergüenza que me leyesen los sentimientos en aquel mirar aéreo y excessivo.

Allá, en la pasarela, no fue mi pequeñez,
frente a la (in)finidad de aquel océano y firmamento,
lo que me rescató
: fueron las respiraciones completas [simultáneas] con todo lo que allí respiraba.
Inmiscuida y simbiótica respiraba.

Me reerigí
―Órgano de la Paz―
perpleja, diáfana, incomensurable,
mucho más allá de las vigas de madera que parecían sostenerme los pies.

Y debo de haber sido feliz, porque no tengo recuerdo de SER tan enteramente libre,
libre hasta de mí,
sobre todo cuando, súbitamente, comprendí que aquel
Silencio
de brisa en blandas olas nocturnas y aromas a flora de dunas primaverales
era, al cabo, tan importante y pleno de budeidad
como el trash-metal, tumba que dale toda la tarde, del vecino del primero.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

o desgoverno dos sonhos

ao luís miguel nava

já não te aguardo,
adio-me

sobre o veludo da tua
morte e o atrito do
corpo é a dolente barca onde
o dia não passa, pelo mar dentro
o céu a estalar

se à morte tudo sobeja,
sobejo de sentir o outono

o livro oblitera as
palavras e silencia-me.
deitar-me-ei, o sol a pesar o
meu corpo e tu, todo o
tamanho do mundo, calado, morto,
vasta extensão
que aprenderei a percorrer

existe uma arritmia ténue
no coração de quem perdeu
o amor de outrem, um coração
ténue que se sobrepõe ao que
já se tem

eu deixei a luz em
dias como este, conheço o
olhar sem imagens dentro,
sei do frio quando lento
se caminha a rua, quando nada
difere do que a alma
sente, esse fim do
amor na respiração que
recua

e sei o porquê desta ansiedade ao
virar a página
ainda que ninguém seja passível de se
esconder entre as
folhas de um livro

a morte não me
assusta, hei-de voar-lhe
no céu da boca
assim que se prepare para
me engolir

e resgato os pássaros
enquanto as árvores
chilreiam e defino o vento pela
sua mecánica

critico-os, de que adianta ser pássaro
quando não se tira os olhos do chão

por isso persigo o pôr do sol
janelas abertas e
vacilo

lágrima, pavio de
água que acabo de
acender, arde, onde
por fim parto

já tu me esperas,
abrevias-me

valter hugo mãe. folclore íntimo



el desgobierno de los sueños
para luís miguel nava

ya no te aguardo,
me prolongo

sobre el terciopelo de tu
muerte y la fricción del
cuerpo es la doliente barca donde
el día no pasa, mar adentro
el cielo estallando

si a la muerte todo sobra,
sobro al sentir el otoño

el libro oblitera las
palabras y me silencia.
me acostaré, el sol pesando
mi cuerpo y tú, todo el
tamaño del mundo, callado, muerto,
vasta extensión
que aprenderé a recorrer

existe una arritmia tenue
en el corazón de quien ha perdido
el amor de otro, un corazón
tenue que se sobrepone al que
ya se tiene

dejé la luz en
días como éste, conozco la
mirada sin imágenes dentro,
sé del frío cuando lento
se camina la calle, cuando nada
difiere de lo que el alma
siente, ese fin del
amor en la respiración que
retrocede

y sé el porqué de esta ansiedad al
pasar la página
aun siendo imposible que nadie se
esconda entre las
hojas de un libro

la muerte no me
asusta, volaré
en el cielo de su boca
así que se prepare para
engullirme

y rescato a los pájaros
mientras los árboles
trinan y defino el viento por
su mecánica

los critico, de qué sirve ser pájaro
cuando no se apartan los ojos del suelo

por eso persigo la puesta del sol
ventanas abiertas y
vacilo

lágrima, pábilo de
agua que acabo de
encender, arde, donde
por fin parto

tú ya me esperas,
me abrevias

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Gasolina

Uso canecas que trouxe
De diferentes cidades
Para pôr canetas e lápis.

Como pincéis inclinados
Do estúdio do pintor
Quando este o abandona,

Gosto destas naturezas mortas.

E apago a luz sobre tudo
O que ainda mexe.

Mesmo as sílabas
Tentadoras sempre
Nos bicos de lápis, e canetas.

Apago a luz sobre o imenso plano
Em que vivi, escrevi, amassei
Tanta frase, tanta afirmação.

E ao abrir a porta de novo
Sobre a noite das cidades

Desfaço e desfaço-me
Nas sensações mais antigas

E vejo de novo as constelações.

As mulheres, os rostos, os aviões
A chegarem,

A sua gasolina forte.
Com que deito fogo ao meu passado.

Vítor Oliveira Jorge. Trans-Ferir


Gasolina

Uso tazas que he traído
De diferentes ciudades
Para poner bolis y lápices.

Como pinceles inclinados
Del estudio del pintor
Cuando éste lo abandona,

Me gustan estas naturalezas muertas.

Y apago la luz sobre todo
Lo que aún se mueve.

Hasta las sílabas
Tentadoras siempre
En las puntas de lápices, y bolis.

Apago la luz sobre el inmenso plano
En que he vivido, escrito, amasado
Tanta frase, tanta afirmación.

Y al abrir la puerta de nuevo
Sobre la noche de las ciudades

Deshago y me deshago
en las sensaciones más antiguas

Y veo de nuevo las constelaciones.

Las mujeres, los rostros, los aviones
que llegan,

Su gasolina fuerte.
Con la que prendo fuego a mi pasado.

domingo, 5 de setembro de 2010

Palavras

Palavras perpetradas em silêncio
na cama, lugar de assassinos.
Escondo-me para morrer. Nenhuma lógica é mais mortal
que esta estúpida perversão, esta morte.

Estúpidos lenções; escrita de
corpos grosseiros; crimes passionais.
Falta-me uma palavra essencial,
um som perverso para morrer: um sonho.

Contraem-se os músculos na vigília.
Preciso do sono e do movimento dos corpos
para dirigir devidamente o pequeno crime
da tua morte. Agora calo-me um pouco.

Manuel António Pina. Ainda não é o fim nem o princípio 
do mundo calma é apenas um pouco tarde (1974)

Palabras

Palabras perpetradas en silencio
en la cama, lugar de asesinos.
Me escondo para morir. No hay lógica más mortal
que esta estúpida perversión, esta muerte.

Estúpidas sábanas; escritura de
cuerpos groseros; crímenes pasionales.
Me falta una palabra esencial,
un sonido perverso para morir: un ensueño.

Se contraen los músculos en la vigilia.
Necesito el sueño y el movimiento de los cuerpos
para dirigir como es debido el pequeño crimen
de tu muerte. Ahora me callo un poco.

sábado, 4 de setembro de 2010

Matéria d'ontem hoje

A ferida participa na noite; sangra a escuridão
e no alto
os astros não dormem; entalham as árvores no céu
Escorre a seiva da noite. A ferida vê fantasmas. Ânsias de papel.
Motor imóvel - solilóquio - escreve rascunhos ao futuro
Leva, delicadamente, a mão
ao cabelo
Tremor: humanidade do gesto-menino; tudo vibra
a boca, os lábios
a língua
os ombros, as pernas e
a mão no ventre do sorriso-mel
De olhos cerrados tal noite a língua cativa
gravita
Amagino: [Ac]ama em mim. E a ferida cicatriza.



Materia de ayer hoy

La herida participa en la noche; sangra la oscuridad
y en lo alto
los astros no duermem; tallan los árboles en el cielo
Gotea la savia de la noche. La herida ve fantasmas. Ansias de papel.
Motor inmóbil ―soliloquio― escribe borradores al futuro
Se lleva, delicadamente, la mano
al pelo
Temblor: humanidad del gesto-niño; todo vibra
la boca, los labios
la lengua
los hombros, las piernas y
la mano en el vientre de la sonrisa-miel
Con los ojos cerrados tal noche la lengua cautiva
gravita
Amagino: [Ac]ama en mí. Y la herida cicatriza.

Quisiera

Quisiera haber estado en los lugares en donde tú estuviste, en todos los lugares donde hay acaso aún o sobrevive un fragmento de ti o de tu mirada. ¿Sería este vacío tuyo lacerante lo que hace de pronto un espacio lugar? ¿Lugar, tu ausencia?

José Ángel Valente. Paisaje con pájaros amarillos


Gostaria de ter estado nos lugares onde tu estiveste, em todos os lugares onde há talvez ou ainda sobrevive um fragmento de ti ou do teu olhar. Seria esse vazio teu lacerante que faz de repente um espaço lugar? Lugar, a tua ausência?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Laisse tomber

laisse tomber
ce qui est dans tes mains
ouvre-les bien
écarte les doigts
longuement
et viens
le silence nous berce
nous allons d'ici à l'aube
peut-être ensemble
peut-être un

Ana Saraiva. Improvisos


Deixa cair
o que tens nas mãos
abre-as bem
separa os dedos
longamente
e vem
o silêncio embala-nos
vamos de aqui à alva
talvez juntos
talvez um


Deja caer
lo que está en tus manos
ábrelas bien
separa los dedos
largamente
y ven
el silencio nos mece
vámonos directos al alba
tal vez juntos
tal vez uno

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

açúcar-matéria

já ter acontecido:
à falta de um vício, ser-me proposto um exemplo
de não exemplo,
o projecto de ser uma mulher de açúcar,
e reverberar a personagem no meu rosto.
e nos anticorpos da pré-exibição
ver um piazzolla, um piazzolla também de açúcar
e uma composição instantânea, o tango
de uma escalada em condição de cristal.

sim, já ter acontecido, já ter acontecido muitas vezes:
sermos feitos de açúcar, porque
assim que a dança começa, piazzolla,
sempre os corpos desabam.

Sylvia Beirute. Uma casa em Beirute


azúcar-materia

ya haber sucedido:
a falta de un vicio, serme propuesto un ejemplo
de no ejemplo,
el proyecto de ser una mujer de azúcar,
y reverberar el personaje en mi rostro.
y en los anticuerpos de la preexhibición
ver un piazzolla, un piazzolla también de azúcar
y una composición instantánea, el tango
de una escalada en condición de cristal.

sí, ya haber sucedido, ya haber sucedido muchas veces:
que estemos hechos de azúcar, porque
así que el baile empieza, piazzolla,
siempre los cuerpos se desmoronan.