domingo, 3 de junho de 2012

Testamento

À prostituta mais nova,
do bairro mais velho e escuro,
deixo os meus brincos, lavrados
em cristal, límpido e puro...

E àquela virgem esquecida,
rapariga sem ternura,
sonhando algures uma lenda,
deixo o meu vestido branco,
o meu vestido de noiva,
todo tecido de renda...

Este meu rosário antigo,
ofereço-o àquele amigo
que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
das contas doutro sofrer,
são para os homens humildes,
que nunca souberam ler.

Quanto aos meus poemas loucos,
esses, que são de dor
sincera e desordenada...
esses, que são de esperança,
desesperada mas firme,
deixo-os para ti, meu Amor...
Para que na paz da hora
em que a minha alma venha
beijar de longe os teus olhos,

vás por essa noite fora...
com passos feitos de lua,
oferecê-los às crianças
que encontrares em cada rua...

Alda Lara (Lisboa, 1950). In Poemas. Edições Imbondeiro. 1966


Testamento

A la ramera más joven,
del barrio más viejo y oscuro,
le dejo mis aros, labrados
en cristal, límpido y puro...

Y a la virgen olvidada,
jovencita sin ternura,
que sueña alguna leyenda,
le dejo el vestido blanco,
mi blanco traje de novia,
todo tejido de encaje...

Este mi rosario antiguo,
se lo ofrezco a aquel amigo
que no cree que exista Dios...
Son los libros, rosarios míos
de cuentas de otro padecer,
para los hombres humildes,
que nunca han sabido leer.

Cuanto a mis poemas locos,
esos, que son de dolor
sincero e desordenado...
esos, que son de esperanza,
desesperada mas firme,
a ti te los dejo, mi Amor...
Para que en la paz del tiempo
en que esta mi alma venga
a besar tus ojos de lejos,

vayas por la noche adentro...
con pasos hechos de luna,
a dárselos a los niños
que en cada calle te encuentres...

2 comentários:

Jonas disse...

Quando era criança, tinha este poema decorado.
Curioso como nunca mais me lembrei dele...

Sun Iou Miou disse...

Estás na hora de redigir testamento, Jonas. Vai pensando para quem deixas os poemas loucos.