segunda-feira, 15 de outubro de 2012

"Nunca se sabe"

Papéis velhos com poemas: são o joio
das gavetas. Relê-los causa aversão
e uma espécie de tristeza arrependida —
são tão nossos como as recordações
e ainda vemos a circunstância precisa,
a causa, a ferida, por detrás de cada um.

Mas na altura havia esperança: é isso
que representam. Não pelas coisas que
dizem — é só descrença e fastio — mas
pela simples razão de termos querido
guardá-los. Com um pouco mais de alento,
de inspiração e trabalho, ainda se endireita
isto. Ou seja, os versos. E até a vida.

Rui Pires Cabral. Oráculos de cabeceira. Averno. Lisboa. 2009

*Título do poema tomado de: Italo Calvino, O cabaleiro inexistente [tradução de Fernanda Ribeiro e Herberto Helder], Portugália, Lisboa, 1965, p. 143



"Nunca se sabe"

Papeles viejos con poemas: son la paja
de las gavetas. Releerlos causa aversión
y una especie de tristeza arrepentida —
son tan nuestros como los recuerdos
y aún vemos la circunstancia precisa,
la causa, la herida, por detrás de cada uno.

Pero entonces había esperanza: eso es
lo que representan. No por las cosas que
dicen —sólo descreimiento y hastío— sino
por la simple razón de que hayamos querido
guardarlos. Con un poco más de aliento,
de inspiración y trabajo, todavía se arregla
esto. O sea, los versos. Y hasta la vida.

Sem comentários: