quarta-feira, 20 de julho de 2011

bênção

Ter dinheiro e não ter
pagar ficar a dever
ir aos bares do Bairro Alto
beber nos bares nas barracas
cheio de cacau nos bolsos

depois deixar cair o cacau pelos bolsos abaixo
perder os óculos em Lisboa
andar à toa feito rock-star

regressar sem saber como
comprar dois bilhetes em vez de um
um para o Porto outro para Coimbra
viajar fodido dos cornos do estômago da barriga
entrar, saír e depois cair na cama
sem luz sem vontade
e depois regressar a Zaratustra
ao poeta-mago
ao céu ao sol à luz
às mulheres que queres
aos pulsos que cortas que feres
à prudência que mandas para o caralho
vira o baralho
e volta ao futebol
o circo máximo de outrora
quando caminhavas por Roma
entre Cícero e Augusto
rei morto, rei posto

em transe por Lisboa
ao acaso à deriva à sorte
como Pessoa
e, por duas horas,
não sabes o que fizeste
onde estiveste
com quem estiveste
ficou tudo em branco

hoje estás a caminho do mesmo
mas não tens cacau
e isto não é Lisboa
nem tu és o príncipe da Macedónia
só há golos e tolos a festejar
nuvens a perturbar — assim falava Zaratustra
e tu amas as alturas
amas realmente as alturas
e até a Humanidade
mas não suportas a pequenez dos homens

és daqueles que sabes
nada há a fazer
mesmo que vás pelos caminhos direitos
haverá sempre noites, dias em que seguirás
as ruas tortuosas
porque sabes que esse é o caminho do Céu
não o céu de Deus, de Alá ou de Cristo
mas o Céu de Nietzsche, de Blake, de Rimbaud,
de todos os malditos

Abençoados sejam os malditos
abençoados sejam os que procuram
a luz no meio das trevas
abençoados sejam os que te amam
abençoados os que enlouquecem
porque a loucura dos que se curvam
não é loucura, é doença.
António Pedro Ribeiro, Entre o vivo, o não vivo e o morto, 1 (2008)


bendición

Tener dinero y no tener
pagar quedar a deber
ir a los bares del Bairro Alto
beber en los bares en las casetas
con los bolsillos llenos de guita

después dejar caer la guita por los bolsillos
perder las gafas em Lisboa
andar a lo tonto en plan rock-star

regresar sin saber cómo
comprar dos billetes en vez de uno
uno a Oporto otro a Coimbra
viajar jodido del coco del estómago de la tripa
entrar, salir y después caer en la cama
sin luz sin ganas
y después regresar a Zaratustra
al poeta-mago
al cielo al sol a la luz
a las mujeres a las que quieres
a las muñecas que cortas que hieres
a la prudencia que mandas a tomar por saco
gira el taco
y vuelve al fútbol
el circo máximo de antaño
cuando caminabas por Roma
entre Cicerón y Augusto
rey muerto, rey puesto

en trance por Lisboa
al azar a la deriva a suertes
como Pessoa
y, durante dos horas,
no sabes lo que has hecho
dónde has estado
con quién has estado
se ha quedado todo en blanco

hoy vas camino de lo mismo
pero no tienes guita
y esto no es Lisboa
ni tú eres el príncipe de Macedonia
solo hay goles y locos que festejan
nubes que perturban — así hablaba Zaratustra
y tú amas las alturas
amas realmente las alturas
y hasta a la Humanidad
pero no soportas la pequeñez de los hombres

eres de aquellos que sabes
no hay nada que hacer
aunque vayas por caminos rectos
habrá al final noches, días en los que seguirás
las calles tortuosas
porque sabes que ese es el camino del Cielo
no el cielo de Dios, de Alá o de Cristo
sino el Cielo de Nietzsche, de Blake, de Rimbaud,
de todos los malditos

Benditos sean los malditos
benditos sean los que buscan
la luz entre las tinieblas
benditos sean los que te aman
benditos los que enloquecen
porque la locura de los que se curvan
no es locura, es dolencia.

4 comentários:

Alma disse...

Texto brilhante, brilhantemente traduzido.

Bem hajas, María Alonso Seisdedos*

Abraç* da suzana guimaraens

Sun Iou Miou disse...

Abraço grande, Suzana! :)

A. Pedro Ribeiro disse...

obrigado, do fundo do coração.

Sun Iou Miou disse...

Obrigada eu, António Pedro.