domingo, 28 de novembro de 2010

Observas o rosto hirto na vidraça...

Observas o rosto hirto na vidraça
e respirando fundo sabes: a luz
alonga os traços como um remorso ―
porque tudo é nosso e doutrem.
Roubas e roubam-te, do mais
à margem te mantêm, ou a vau.
Desmunido. Que cem anos
não confortam a cova de um dente,
nem refreiam o susto de quando
o silêncio bate portas ―é coisa
pública. Veja-se o caso das mãos:
cinco dedos são poucos. Uma
redige o ele de solidão e já outra
congela o sangue nas torneiras.

António Cabrita. Carta de Ventos e Naufrágios. “Fotogenia de Sísifo”


Observas el rostro tieso en la cristalera
y respirando hondo sabes: la luz
alarga los rasgos como un remordimiento ―
porque todo es nuestro y de otro(s).
Robas y te roban, del resto
al margen te mantiene, o al vado.
Desprovisto. Que cien años
no acomodan el hueco de un diente,
ni refrenan el susto de cuando
el silencio da portazos ―es algo
público. Véase el caso de las manos:
cinco dedos son pocos. Una
redacta la ele de soledad y ya otra
congela la sangre en los grifos.

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