sexta-feira, 24 de setembro de 2010

enquanto falavas de um mar

enquanto falavas de um mar
derramei sobre o peito os escombros da casa
reconheci-te
nos alicerces devorados pelas raízes das palmeiras
na sombra da ave deslizando junto à parede
no foco de luz rompendo o tijolo onde estivera a chaminé
vivemos aqui
com o ruído dum cano ressumando água
até que o frio nos fez abandonar o lugar e o amor

não sei para onde foste morrer
eu continuo aqui... escrevo
alheio ao ódio e às variações do gosto e da simpatia
continuo a construir o relâmpago das palavras
que te farão regressar... ao anoitecer
há uma sensação de aves do outro lado das portas
os corpos caídos
a vida toda destinada à demolição

tento perder a memória
única tarefa que tem a ver com a eternidade
de resto... creio que nunca ali estivemos
e nada disto provavelmente se passou aqui

Al Berto. "O Esquecimento em Yucatán" (1982/83). O medo


mientras hablabas de un mar
derramé sobre el pecho los escombros de la casa
te reconocí
en los cimientos devorados por las raíces de las palmeras
en la sombra del ave que se deslizaba junto a la pared
en el foco de luz que rompía el ladrillo donde había estado la chimenea
vivimos aquí
con el ruido de una cañería que rezumaba agua
hasta que el frío nos hizo abandonar el lugar y el amor

no sé adónde te has ido a morir
yo continúo aquí... escribo
ajeno al odio y las variaciones del gusto y de la simpatía
continúo construyendo el relámpago de las palabras
que te harán regresar... al anochecer
hay una sensación de aves al otro lado de las puertas
los cuerpos caídos
toda la vida destinada a la demolición

intento perder la memoria
única tarea que tiene que ver con la eternidad
por lo demás... creo que allí nunca hemos estado
y nada de esto probablemente haya pasado aquí

3 comentários:

Alexandre de Castro disse...

Dando continuidade ao trabalho de Maria Alonso, junto uma pequena súmula biográfica de Al Berto, que poderá ser útil ao leitor.

AL BERTO [RAPOSO PIDWELL TAVARES]
(1948-1997)

Nasceu em Coimbra e morreu em Lisboa. Poeta e editor. Nome civil: Alberto Raposo Pidwell Tavares. Embora tenha começado a publicar em livro em 1977 (À Procura do Vento num Jardim de Agosto), já é considerado em Portugal um poeta importante.Teve juventude deambulatória através de Bruxelas, Paris, Barcelona e seus "bas-fonds". Sua poesia reflete uma visão de mundo marginal que espelha, com lucidez, ternura e paixão, a experiência da transgressão sexual e a solidão de uma vertigem autodestrutiva. Situa-se ela "entre a subjetividade romântica e a impessoalidade modernista" no dizer de Helder Moura Pereira. Na sua vasta bibliografia destaca-se a reunião de toda a sua obra, no volume O Medo (Assírio e Alvim, 1998).

Tradução em castelhano:

Poeta y editor. Nació en Coimbra y murió en Lisboa. Nombre civil: Alberto Raposo Pidwell Tavares. A pesar de haber empezado a publicar en libro em 1977 (À Procura do Vento num Jardim de Agosto), ya es considerado en Portugal un poeta importante. Tuvo una juventud ambulante y conoció los "bas-fonds" de Bruselas, París y Barcelona. Su poesía refleja una visión del mundo marginal, que refleja con lucidez, ternura y pasión la experiencia de la trasgresión sexual y la soledad de un vértigo autodestructivo. Lo sitúan "entre la subjetividad romántica y la despersonalización modernista” (Helder Moura Pereira). En su vasta bibliografía sobresale el volumen póstumo O Medo (Assírio e Alvim, 1998), reunión de toda su obra.

Alexandre de Castro disse...

Dando continuidade ao trabalho de Maria Alonso, deixo aqui um poema de Al Berto, na versão portuguesa e na versão castelhana

REGRESSO À FUGA

a noite de escuros voos apanhou-me
com a cabeça acesa numa teia de tinta
é sempre uma mentira existir
fora daquilo que está no fundo de mim
abro
o livro das visões
e uma cidade são todas as cidades trituradas
na memória calcinada do homem nómada

canto
ó resplandecentes águas ó murmúrio quieto
das areias
um pulso que se abre e estremece violento
ó dor da árvore ó surdo ruído do coração
onde a seiva das bocas brilha derramando-se
sobre o corpo
que na asa do migrante pássaro navega
ávido de mundo e desolação.


REGRESO A LA FUGA

noche de oscuros vuelos me cogió
con la cabeza encendida en una red de tinta
es siempre una mentira existir
afuera de lo que está en mi fondo
abro
el libro de las visiones
y una ciudad son todas las ciudades trituradas
en la memoria calcinada del hombre nómada

canto
oh resplandecientes aguas oh murmurio quieto
de las arenas
un pulso que se abre y estremece violento
oh dolor del árbol oh sordo ruido del corazón
donde la savia de las bocas brilla derramándose
sobre el cuerpo
que en el ala del migrante pájaro navega
ávido de mundo y desolación.

Traução: Fernando Mendes Vianna

Sun Iou Miou disse...

Obrigada pelo contributo, Alexandre.