quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A verdade é ser verosímil

Não sabemos quando somos
verosímeis.
Pequenos actos
escapam à verdade recorrente
e quando os gestos os tentam acompanhar
dizem outra coisa de nós mesmos.
Nada que não se esperasse e não se tente evitar ―
um mar de calmaria
um barco à deriva já dentro do porto
a certeza de que escapamos por pouco à dor maior.
(leva a maré a bom porto
disseram todos na despedida lenta
firmes no seu posto raso
maré vaza.)

Muitos de nós ficaram abandonados por entre as margens do mar
anos a fio ―
na esperança muita de os recuperarmos
dragamos o fundo da água pouco profunda.

Não aparecem sempre, os destroços dos actos
em cada memória flutuam
e em cada sonho se transformam
desejam o que antes desejámos
não se conformam
desaparecem levados.

É a sua maneira de aparecer
não sabemos quem somos
a verdade é ser verosímil
ressurreição é palavra suficiente
nada que não se esperasse
diga-se que escapamos por pouco

Sérgio Godinho. O sangue por um fio (2009)


La verdad es ser verosímil

No sabemos cuándo somos
verosímiles.
Pequeños actos
se libran de la verdad recurrente
y cuando los gestos intentan seguirlos
dicen otra cosa de nosotros mismos.
Nada que no se haya esperado e intentado evitar ―
un mar en calma
un barco a la deriva ya dentro del puerto
la certeza de que nos hemos librado por poco del dolor mayor.
(lleva la marea a buen puerto
dijeron todos en la despedida lenta
firmes en su puesto raso
marea desagua.)

Muchos de nosotros se quedaron abandonados por entre las orillas del mar
durante años ―
con la esperanza mucha de recuperarlos
dragamos el fondo del agua poco profunda.

No aparecen siempre, los destrozos de los actos
en cada recuerdo fluctúan
y en cada ensueño se transforman
desean lo que antes hemos deseado
no se conforman
desaparecen arrastrados.

Es su manera de aparecer
no sabemos quiénes somos
la verdad es ser verosímil
resurrección es palabra suficiente
nada que no se haya esperado
dígase que nos libramos por poco.

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